segunda-feira, 22 de setembro de 2008

ENCANTO CULTURAL - CAPELA DO ALTO

Encantar-se não quer dizer entocar-se num canto, muito pelo contrário, encantar-se é se deixar apaixonar (ou enfeitiçar-se) por um lugar, algo ou alguém। Mas a brincadeira com as palavras é cabível, afinal, muitas vezes, conversar com os moradores da Capela do Alto é como conversar com personagens saídos de livros de Guimarães Rosa, mestre no uso inventivo da palavras.
Tais pessoas, que encantam com suas conversas cheias de histórias, ensinamentos, alegrias, esperanças, vieram compor a primeira parte do Projeto Encanto Cultural. Esse projeto, que foi idealizado em novembro de 2007, está sendo realizado desde julho de 2008 no município de Guapiara (http://www.guapiara.sp.gov.br/) - situado num canto quase esquecido do interior do Estado de São Paulo - com o objetivo de, através da fotografia, oferecer uma atividade artística cultural que contribua na formação de adolescentes e jovens dos bairros mais isolados da cidade। Através desse BLOG convidamos a todos a conheceram um pouco mais sobre o projeto, a cidade de Guapiara, o bairro Capela do Alto (o primeiro a ser atendido pelo projeto) e, principalmente, seus moradores.
O BAIRRO

Fotografando e conversando com as pessoas da Capela do Alto reaprendi a língua portuguesa, na mesma medida em que descobri, com satisfação, que sou lavorenta e interessosa। E como o objetivo principal do nosso trabalho era encontrar e mostrar marcas culturais importantes do bairro, entender o uso das palavras foi parte do processo, inclusive porque, no primeiro momento, interessosa parece algo bem negativo. Mas não, trata-se de alguém que se interessa, que se preocupa com a realização das coisas. E lavorenta? Ora, alguém que trabalha!


Assim, lavorentos e interessosos, eu e meus alunos (de idade entre 04 e 35 anos) passeamos pelo bairro e pela cidade buscando fotografar aquilo que a comunidade considerasse valioso culturalmente. Como é possível ver pelas imagens uma forte característica da cidade é a religiosidade, e o que torna isso interessante é o fato de as pessoas daqui, especialmente as crianças, terem uma relação livre, despretensiosa e irreverente com os espaços religiosos.





Segundo pesquisa dos alunos junto aos moradores mais antigos do bairro - realizada com orientação do Instituto Ecoar (http://www.ecoar.org.br/ ) e com trechos reproduzidos aqui - em 16 de março de 1800 foi encontrada uma imagem de Nossa Senhora da Ajuda próximo ao sítio dos Lavapés, localizado no bairro que, naquela época, era conhecido como Capela da Boa Vista.


Dez anos depois o pescador Mathias Franco convocou seus parentes para construir uma igreja de pau a pique em homenagem à santa. “Como a imagem já era muito venerada, conseguiu atrair muitos moradores, que ali construíram suas casas, formando uma pequena povoação com vários estabelecimentos comerciais.” Por estar localizada numa das partes mais altas da região a Capela deu nome ao bairro. Isso não invalida o nome Capela da Boa Vista, pois, além de ser este o nome oficial do bairro, os olhos de quem freqüenta seus morros ainda podem alcançar uma bela vista.

O CRUZEIRO




Mas a vista mais bela é conquistada por aqueles que realizam o caminho de cruzes, o Cruzeiro, seja com o objetivo de cumprir ou pagar uma promessa ou apenas para desfrutar da paisagem. Para acompanhar os passos da fé é necessário disposição física, pois o percurso de terra e pedra é longo, bastante inclinado, escorregadio e sem árvores que projetem a menor sombra. As crianças sobem, correndo, de chinelos e até descalças. Mas são espertos, levam garrafinhas de água e, alguns, sombrinhas.


Lá em cima, dizem gostarem muito de ver as montanhas e de abraçar a estátua do Cristo. Além disso todos tem boas lembranças do lugar pois "há 120 anos alguns moradores de bairros ao redor da Capela se encontram para subir até o Cruzeiro, lá fazem uma grande missa e logo após são distribuídas balas para as crianças”।





























NOSSA SENHORA DA AJUDA
“No mês de julho ocorre a maior festa do ano no bairro Capela do Alto. Os moradores, durante nove dias, rezam uma missa a cada dia”. Assim vão se preparando para a grande festa (comemorada há 100 anos) que recebe a Romaria vinda do centro de Guapiara e de outros municípios. A Sala dos Milagres (foto) é o lugar onde moradores, romeiros e turistas fazem pedidos à Nossa Senhora da Ajuda e, quando alcançam a graça pedida, seus agradecimentos. Também em homenagem à santa os moradores construíram uma gruta de pedras ao lado do rio em que a imagem da mesma foi encontrada. É nela que ocorre em março a primeira festa religiosa do ano. A religiosidade e a agricultura familiar são duas características importantes da cidade de Guapiara, e com moradores tão religiosos, não foi a toa que a Nossa Senhora da Ajuda tornou-se conhecida no bairro Capela do Alto como protetora dos Agricultores.

TELEVISÃO

“A primeira televisão do bairro foi comprada pelo morador Jair. Como não havia energia elétrica, seu Jair, durante o dia levava as pessoas da Capela do Alto para Guapiara (os moradores se referem ao centro do município como Guapiara) com seu Jipe, à noite usava a bateria do carro para ligar a televisão, e todos assistiam.”

MORADIA
“(...) os recursos para se construir uma casa eram completamente diferentes, pois não haviam tijolos, nem cimento, e por ser um bairro rural, os recursos financeiros eram bem mais baixos, por isso, recorriam ao que estava mais próximo, ou seja, a natureza। Usavam-se taquaras entrelaçadas e barro para forrar a parede, técnica conhecida como pau a pique...” O bom aproveitamento de recursos alternativos e naturais ainda ocorre na cidade de Guapiara como podemos ver na casa cujo teto do quintal é feito com caixas de leite।
ÁGUA

Há cerca de 30 anos a nascente, conhecida como Benedito Pedroso, abastecia toda a região.
“Com o desmantamento essa nascente foi se acabando e, hoje, a água que abastece nossa comunidade vem de 3km de distância”.
Mas a força dessa água ainda faz mover o monjolo de Dona Tereza, um enorme pilão de madeira com o qual ela bate o milho, que após diferentes e artesanais processos pode se transformar em quirera, fubá, farinha caseira de milho e biju. “Segundo dona Tereza serve-se quirera com frango e costelinha (de porco)”.

“No dia de inauguração da eletricidade foi feita uma quirera com frango e costelinha no monjolo para mais ou menos 200 pessoas”.

FLORESTA

“Há aproximadamente 01 século toda a área da Capela do Alto era mato virgem e quase despovoada. Com o aumento da população a demanda por água, alimentos e trabalho cresceu, e com isso, as pessoas precisavam plantar. Como a mata era extensa começaram a desmatá-la e a fazer queimadas. Como o terreno era montanhoso, devido ao desmatamento, a água das chuvas levava todos os nutrientes da terra, e no outro ano os agricultores eram obrigados a desmatar outra área para plantar. Isso fez com que se acabasse toda floresta nativa”. Mas a agricultura familiar não foi a principal causa do desmantamento local, pois mesmo que acontecendo com freqüência não abrangia grandes áreas, mas sim as grandes plantações de eucalipto e araucária.
Apesar dessa triste história é importante lembrar que o município de Guapiara está localizado próximo ao Parque Estadual de Intervales (http://www.fflorestal.sp.gov.br/pqe_interv/apresentacao.htm), uma reserva florestal que faz parte do maior contínuo de Mata Atlântica do país.
Esse parque merece uma visita, pois além de contar com trilhas que levam à uma rica fauna e flora coexistindo em áreas de mata primária, cachoeiras e cavernas, conta ainda com excelentes guias da própria região। Entre eles o senhor Luís, que é procurado por observadores de pássaros do mundo inteiro, não apenas por ser grande conhecedor do assunto, mas também por saber o nome científico (em latim) de cada um deles। Além disso, o parque possui pousadas, restaurantes, quadra esportiva e uma deliciosa piscina de pedras।
Mônica Cardim